Imagem de Joédson Alves (Agência Brasil)
As apostas esportivas têm se popularizado no Brasil, especialmente entre as classes D e E, atraídas pela promessa de ganhos rápidos e fáceis. No entanto, essa prática pode trazer sérias consequências para a estabilidade financeira dessas famílias, que já enfrentam desafios econômicos.
O tema ganha relevância ao considerarmos o crescente envolvimento da população vulnerável nessas atividades. Para aprofundar essa discussão, entrevistamos Caio Rodrigues do Vale, bacharel em Ciências Contábeis pela UFSJ e mestre em Administração pela UNIHORIZONTES.
Caio é professor nos cursos de Administração e Contabilidade da Universidade Federal de São João del Rei (MG) e do Centro Universitário Presidente Tancredo Neves (UNIPTAN) e compartilha sua visão sobre os riscos e desafios enfrentados por essas famílias em meio ao crescimento das apostas esportivas.
O que você acredita que leva a população vulnerável economicamente a se envolver com apostas esportivas e casas de apostas online, apesar dos riscos envolvidos?
Bom, quando a gente fala de população vulnerável economicamente, a gente também entende que essa população às vezes não tem acesso à informação de qualidade e às vezes não consegue compreender os riscos aos quais está envolvida quando se envereda por esse caminho das apostas esportivas, das casas de apostas online. Ela normalmente não vai ter conhecimento tributário acerca dessas operações, não entende como aquelas operações podem levá-la ao vício em apostas, não entende como a forma como essas empresas comunicam induz que ela aposte cada vez mais. […] Então não me parece que ainda, até por falta de regulamentação, seja um produto confiável no sentido de que todos estão ali colocados em situações de igualdade para perder ou ganhar.
Como você enxerga o impacto das apostas esportivas na estabilidade financeira das famílias de baixa renda?
A primeira observação que faço em relação à questão da estabilidade financeira de famílias de baixa renda frente a essas ofertas de apostas é que certamente estamos falando de famílias que têm algumas restrições do ponto de vista orçamentário. Normalmente têm qualificação e remuneração baixas, e elas querem usufruir de produtos mais sofisticados. […] Motivadas por esse desejo de ascensão social, essas famílias acabam comprometendo ainda mais o seu orçamento, dado a promessa de ganho financeiro.
Quais são os principais desafios contábeis e financeiros enfrentados por essas famílias ao se envolverem com apostas esportivas?
Partindo primeiro da perspectiva contábil, a gente sabe que a renda, quando ultrapassa um certo limite, passa a ser tributada. Talvez, até por falta de desinformação e desconhecimento, muitas dessas famílias que apostam nesse modo de vida não se preocupam que esse ganho extra pode ser tributado pela Receita Federal, o que compromete parte dos ganhos. […] Estamos falando de movimento de bilhões de reais, o que pode vir a ser um desafio, principalmente para quem não tem o conhecimento.
Como você avalia o impacto das apostas esportivas no orçamento das famílias de baixa renda, considerando os dados recentes sobre o gasto médio nessas atividades?
Primeiro, sobre como a distribuição dos gastos relativos às classes D e E, sabemos que estamos falando de populações que têm uma renda mínima entre 2 a 4 salários mínimos. Um estudo recente traz um dado relevante de que o brasileiro gasta, em média, 263 reais por aposta esportiva. Isso, em termos relativos, é quase 20% do salário mínimo. Isso acaba sendo bastante preocupante, considerando que essas famílias precisam arcar com outros custos essenciais para a vida, como alimentação, saúde e lazer.
Como a falta de educação financeira entre apostadores de baixa renda influencia as decisões financeiras e o envolvimento em apostas esportivas?
A promessa e a propaganda sobre ganhos financeiros acabam cativando essas pessoas a depositarem seu dinheiro. Há muita propaganda agressiva que induz ao vício, e esse tipo de linguagem cativa as pessoas a apostarem. Isso pode levar a um comprometimento financeiro significativo e até afetar questões de ordem psíquica, como vergonha e sensação de fracasso.
Que políticas públicas poderiam ser implementadas para mitigar os impactos negativos das casas de apostas esportivas?
As políticas públicas que poderiam ser implementadas para mitigar esses impactos negativos incluem, por exemplo, reduzir o volume de propaganda que essas empresas têm, associadas às atividades esportivas. Além disso, melhorar a distribuição de renda para diminuir a discrepância entre os salários e permitir que todos desfrutem de temas como saúde, educação, acesso à cultura e lazer de forma mais equitativa.