Enfrentar o individualismo e fortalecer a luta coletiva, por um país mais justo e solidário. Desde o seu surgimento, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) luta por essa bandeira, mostrando como a ação cooperativa pode gerar uma economia mais solidária no Brasil.
A ação coletiva permitiu ao movimento se tornar um dos maiores produtores de arroz orgânico da América Latina, graças a uma produção potente no Sul do país. As Feiras Nacionais do MST são uma expressão de como o trabalho cooperado vem dando frutos e gerando cada vez mais quantidade, qualidade e diversidade de alimentos agroecológicos para o povo brasileiro, ajudando o país a avançar na produção de uma alimentação saudável.
Nessa entrevista, Michelle Capuchinho, secretária regional do MST na Zona da Mata de Minas Gerais, fala sobre a importância do cooperativismo e da necessidade do acesso ao crédito para a garantir a produção agrária do movimento e fomentar a economia solidária. Confira:
“Um dos desafios de organização popular é a gente também avançar em uma economia solidária e popular”.
Qual a importância do cooperativismo dentro da filosofia do MST?
Desde a nossa origem, o enfrentamento ao individualismo, que é um valor da sociedade capitalista, está presente na nossa luta. Parte da nossa formação humana, enquanto identidade sem-terra, perpassa a construção de ações que prezam pela coletividade. Quando a gente faz uma ocupação de terra, ela perpassa a luta coletiva. E a gente sabe que a nossa força vem da quantidade de pessoas que a gente consegue aglutinar em torno de um mesmo projeto. Enfrentar a individualidade é um desafio permanente no nosso cotidiano. O cooperativismo vem justamente para fortalecer essa nossa ação, fortalecer uma produção que não seja individualizada, que seja coletiva, onde a gente possa pensar os sujeitos produzindo juntos, pensando e atuando de uma forma associada, onde a gente tenha lotes e processos de produção, e que as pessoas estejam integradas em linhas produtivas, em trabalhos cooperados, em comercialização cooperada. Essa filosofia do movimento é um valor estrutural.
Como o MST atua de forma cooperativa, além do trabalho das cooperativas em si? Ou seja, como a ação de cooperar está presente no movimento?
A ação de cooperar está muito presente no movimento quando a gente planeja as nossas ações de solidariedade em torno das necessidades das famílias dentro dos acampamentos ou assentamentos. Então, pessoas, setores e grupos se juntam para atuar, para fortalecer essas pessoas, para seguirem com a gente. A gente pode pensar nas práticas do setor de saúde, onde a gente se volta em determinados momentos para ajudar companheiros e companheiros, quando a gente olha para o processo do cuidar das crianças nas nossas cirandas. Elas não são crianças de uma família ou de outra, são filhas do movimento, da nossa coletividade, então o cuidar delas também é coletivo. Os nossos espaços onde acontecem reuniões ou ações de cultura são sempre cuidados e pensados de forma coletiva. Então a nossa cooperação se dá no nosso cotidiano permanente quando a gente organiza uma atividade e as tarefas de trabalho necessárias são divididas, como o cuidado com a limpeza, o cuidado com a alimentação, com as crianças, com a coordenação do dia. Todas as nossas atividades, seja no campo da formação, da saúde, da produção, da educação, são construídas de forma a pensar as ações divididas entre todos e todas que estão nesse espaço, porque todos e todas têm sua importância e podem dar sua contribuição. Seja de uma forma ou de outra.
Fale sobre o papel das cooperativas de crédito para a expansão e fortalecimento de projetos do MST hoje no Brasil
Quando a gente fala da produção da agricultura familiar camponesa, que vem dos assentamentos e acampamentos, é indiscutível falar da necessidade de investimento. A reforma agrária é uma política que tem um valor agregado muito baixo de incentivo estatal. Então, a gente precisa ter créditos para investir no processo de produção. Muitos assentamentos até hoje, criados há mais de dez anos, ainda não acessaram créditos básicos. E as famílias, quando chegam na terra, mesmo estando assentadas, têm pouca condição de investir num processo, numa linha de produção. E as cooperativas de crédito vêm justamente nesse sentido. É importante para a nossa produção ter créditos para investir em uma determinada linha de produção para fortalecer a nossa ação, as nossas cadeias produtivas. E falando por exemplo do assentamento onde eu vivo, o Denis Gonçalves (Goianá, Minas Gerais), foi muito importante a gente conseguir acessar créditos via Crehnor (Cooperativa de Crédito Rural de Pequenos Agricultores e da Reforma Agrária) para conseguir comprar um tanque de leite, por exemplo. Uma das nossas principais cadeias produtivas é o leite e individualmente os produtores de leite não teriam condição de fazer isso. A partir do momento que a gente conseguiu acessar um crédito foi possível a instalação de um tanque, o que garante um maior ganho para os produtores e uma possibilidade de atuar de forma mais efetiva na produção e na qualificação dessa cadeia produtiva.
Fale de ações e projetos exemplares que se desenvolveram graças à ação do cooperativismo
Não há dúvida de que a nossa produção do arroz no Sul do país é uma ação cooperada que se tornou um exemplo. Hoje nós nos tornamos os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina. Na verdade, as nossas feiras são expressão de como o nosso trabalho cooperado vem dando frutos e gerando cada vez mais diversidade, qualidade e quantidade para alimentar o povo brasileiro. Quando a gente olha para a Feira Nacional do MST, por exemplo, a diversidade de produtos de cooperativas presentes mostra como a produção vem sendo cooperada, vem sendo uma ação que qualifica. Que traz mais elementos para a gente avançar na produção de alimentos saudáveis no Brasil.
O papel da economia solidária no Brasil hoje tem ganhado força?
Assim como todas as ações que investem na organização popular e no fomento de uma economia mais voltada para atender às necessidades humanas ao invés do capital, as políticas de economia solidária sofreram um ataque muito profundo nesses últimos seis anos em que a gente enfrentou um desgoverno no Brasil. E hoje a economia solidária, assim como outros setores do país, vem crescendo, vem enxergando a possibilidade de crescer e se reestruturar. Um dos desafios de organização popular é a gente também avançar em uma economia solidária e popular. E nós do MST também apostamos nesses espaços e contribuímos no fomento e na organização de processos junto à economia solidária.
Trabalhos do MST – Fotos por Dowglas Silva