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“O Brasil é refém dos bancos”

Cada vez mais as pessoas estão se dando conta das altas tarifas bancárias e da especulação financeira promovida pelos bancos tradicionais, que lucram com o dinheiro da população e não geram benefícios públicos para o País. “O Brasil é refém dos bancos”, diz Hamilton Rocha, coordenador executivo da Rede Paulista de Bancos Comunitários. Ele afirma que há hoje uma mudança no sistema financeiro, com o aumento das cooperativas e bancos comunitários na área financeira.

O lucro dos grandes bancos não retorna para o País em forma de benefícios para a sociedade. Hamilton Rocha lembra que o sistema financeiro pode cobrar até 180% de juros ao ano do dinheiro que a população pega emprestado, o cartão de crédito cobra 333% e o cheque especial, 330% por ano. Muita gente no País recorre a essas soluções porque não tem outra alternativa, parcela as dívidas e paga em 1 ano quase o dobro do valor que pegou emprestado em juros. 

Hamilton Rocha, coordenador executivo da Rede Paulista de Bancos Comunitários.

Bancos privados não priorizam as necessidades da população

Em 2020, período da pandemia, a movimentação em cartão de débito e crédito chegou ao patamar de R$ 2 trilhões de reais. A taxa paga nesta movimentação poderia transformar a realidade de muita gente. “Estamos falando de 100 bilhões de reais”, lembra o especialista.

Quando se usa cartão de débito ou crédito ou mesmo quando se compra um pão na padaria, paga-se 35% de imposto, e o dono do estabelecimento gasta mais cerca de 2% a 5% pelo uso do cartão. Levando em conta que 60% da população brasileira ganha menos que R$ 500 reais mensais, e que 80% dos brasileiros não ganha mais que R$ 2 mil reais por mês, um trabalhador que gaste R$ 300 por mês com cartão de débito paga R$ 15 reais para a operadora do cartão – um bairro com mil pessoas gera para o banqueiro R$ 15 mil reais por mês e, por ano, R$ 180 mil, calcula o coordenador da Rede Paulista de Bancos Comunitários.

Instituições de finanças solidárias são a saída para o desenvolvimento econômico

“Nelas, a base é o fundo rotativo solidário, alimentado pelas pessoas que fazem parte destes arranjos financeiros” Hamilton

A alternativa para sair da concentração do capital financeiro de grandes empresas e capitais nas mãos de poucos são as instituições de finanças solidárias. “Nelas, a base é o fundo rotativo solidário, alimentado pelas pessoas que fazem parte destes arranjos financeiros”, salienta Hamilton.

Na pandemia houve aumento dos bancos comunitários e bancos municipais, com o surgimento no Brasil de dez novas unidades da modalidade municipal. Hamilton também destaca o aumento recente do número de agências de cooperativas, reflexo do movimento para buscar alternativas ao sistema tradicional financeiro. Esse sistema garante mais autonomia e poder de decisão dos seus membros.

Economia solidária tem regras definidas pela própria comunidade

Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2021 destaca que a lógica da solidariedade, cooperação e participação coletiva perpassa o universo das finanças solidárias, com regras definidas pelas comunidades ou conjunto de associados. Promove-se a produção de bens e serviços da própria comunidade, em contrapartida ao sistema financeiro tradicional, que acumula ou obtém recursos financeiros com base na especulação. As finanças solidárias favorecem principalmente o microcrédito para pessoas sem acesso ao sistema financeiro tradicional – daí a importância de cooperativas de crédito, bancos comunitários e fundos rotativos solidários.

Nas cooperativas de crédito os cooperados são donos e usuários da instituição, contam com poder de voto independente de sua cota de participação no capital social e desfrutam do sistema de cooperativismo que, ao invés da geração de lucro, prevê direitos e deveres iguais e participação por livre adesão.

A pesquisa do IPEA de 2021 apontou a força do cooperativismo de crédito brasileiro, assumindo a sexta maior entidade financeira do país. “O Portal Cooperativismo de Crédito mostra que eram tutelados por sistemas de cooperativas de crédito 3,57% de todos os ativos bancários brasileiros, 6,84% dos depósitos, 3,42% das operações de crédito, estando à frente de grandes bancos, como Safra, Citibank e Banrisul”, diz o relatório.

Já os bancos comunitários apoiam o desenvolvimento local de economias populares, possuem gestão feita pela própria comunidade e trabalham com moeda social, entre outras características. Os fundos rotativos, por sua vez, promovem pagamentos flexíveis, voltados a atividades produtivas associativas, baseados na gestão compartilhada e na convivência solidária entre os participantes envolvidos. São um tipo de poupança comunitária, cuja parte é reinvestida na própria comunidade.

Cooperativas, bancos comunitários e fundos rotativos – as chamadas empreendimentos de finanças solidárias – combatem a marginalidade, atuam na promoção social, inclusão financeira e enfrentamento do ciclo de pobreza. Tais empreendimentos têm em comum a iniciativa vinda da própria organização da sociedade, e não imposta.

Enquanto os bancos comunitários se destacam por terem a comunidade como parte constituinte e força motriz de sua criação, as cooperativas de crédito são importantes por inserirem muitas pessoas no mercado financeiro de forma mais humanizada e cidadã, já que os cooperados participam das decisões.

Frente às altas taxas cobradas pelos bancos, esses empreendimentos solidários são uma saída para promover um acesso mais influente ao sistema financeiro, com taxas mais baixas de juros, exigências menores e maiores prazos.

Abaixo alguns registros da “Comunidade do Banco Paulo Freire (Cidade Tiradentes ) reunida na Páscoa”:

Abertura de cooperativas e bancos comunitários precisa ser incentivada

Há, no entanto, uma dificuldade de se implantar cooperativas de crédito por conta dos trâmites burocráticos e de um processo lento, que depende de uma auditoria do Banco Central. “É preciso ter um capital altíssimo e uma conta de liquidação, onde o dinheiro é depositado como garantia para o funcionamento da cooperativa. É preciso ter uma quantidade razoável de dinheiro e clientes”, explica Hamilton. As regras exigentes para abertura de uma cooperativa exigem um nível de organização e conhecimento do setor financeiro muito grande, que nem sempre uma pessoa leiga alcança, segundo ele. Da mesma forma, montar um banco de crédito exige um bom investimento inicial.

Uma solução para facilitar a abertura de empreendimentos solidários no Brasil é a implantação de uma instituição que oriente, apoie e facilite a criação desse tipo de empreendimento, e que ao mesmo tempo ajude a difundir práticas de educação financeira, de forma que as pessoas possam compreender que é possível acessar o sistema financeiro de forma mais humana e cidadã.